No passado dia 1 de junho, discutiu-se a prostituição na Assembleia da República, depois de dar entrada no dia 20 de Janeiro de 2020 uma petição redigida por Ana Loureiro a pedir a sua regulamentação e legislação. Actualmente, em Portugal, a Constituição não prevê a criminalização da pessoa que se prostitui, mas, sim, do proxenetismo (exploração da pessoa prostituída por parte de outra), que se desdobra juridicamente em dois tipos de conduta: lenocínio simples – quem incita outrem ao exercício da prostituição com intenção lucrativa (punível com pena de prisão de 6 meses a 5 anos); lenocínio qualificado – acresce o uso de violência, ameaça, abuso de autoridade numa situação de dependência económica, hierárquica, de trabalho ou de qualquer outra situação de vulnerabilidade da pessoa prostituída (com pena de prisão de 1 a 8 anos). Assim, legalização da prostituição e descriminalização da pessoa prostituída constituem duas abordagens legais diferentes, uma vez que regulamentar implica descriminalizar o proxenetismo e o exercício da prostituição passa a ser considerado uma profissão sujeita a um regime laboral e fiscal como qualquer outra profissão.
Ora, o debate desenrola-se em torno de algumas afirmações levantadas em defesa da legalização: “a prostituição é uma escolha”, “a prostituição proporciona independência económica” ou “a prostituição é uma questão de liberdade sexual”.
Um estudo de Barroso da Silva (2013), indica que a maioria das pessoas prostituídas na Grande Lisboa são mulheres (52,2%), entrando neste sistema sobretudo devido a problemas económicos e pobreza. Elas são particularmente vulneráveis também do ponto de vista social, físico e emocional e por isso, sofrem maior risco de violência. Um relatório do Eurostat (dados da UE obtidos entre 2008 e 2010) mostra que uma grande percentagem destas mulheres tem entre 13 e 25 anos de idade e a maioria (62%) são vítimas de tráfico para exploração sexual, sendo que as mulheres e raparigas menores de idade representam 96% das vítimas identificadas e presumidas. Com base nisto, será que é de facto uma escolha, ou a prostituição é a única opção?
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a liberdade sexual consiste em usufruir de saúde e direitos sexuais em igualdade e livre de qualquer discriminação, coerção ou violência. Nada disto se verifica na prostituição uma vez que se trata de poder e não sexo: a compra de sexo é a negação do direito ao desejo sexual da outra pessoa. E assim, mais uma vez a “escolha” e o “consentimento” são postos à prova.
O resultado da legalização na Alemanha (em 2002), mostra que até 2016, apenas 1% das “trabalhadoras do sexo” tinham contrato de trabalho. Por outro lado, o turismo sexual aumentou consideravelmente em especial de mulheres da Ásia, Médio Oriente e dos EUA. As mulheres migrantes são das que mais sofrem na prostituição, não só na Alemanha, mas também em Portugal. Um dos casos mais recentes em Aveiro e Albergaria-a-Velha data de 2019, quando uma rede de tráfico de seres humanos para exploração sexual foi desmantelada, revelando vítimas de nacionalidade romena, forçadas a prostituir-se nas ruas (Correio da Manhã, Junho de 2020). Este acontecimento vai de encontro ao relatório de 2017, no âmbito do projecto “Entre Ruas” levado a cabo em Albergaria-a-Velha, que acompanhou 32 mulheres na prostituição, das quais 75% eram romenas, 22% portuguesas e 3% colombianas. Neste relatório constam os relatos de algumas destas mulheres que falam da sua experiência na prostituição como muito difícil e marcante, acabando por revelar: “fui-me habituando e custou menos (…). Tenho de ganhar dinheiro para ajudar a minha família”, da qual admitem sentir saudades – nomeadamente as mulheres imigrantes que se vêem obrigadas a deixar os seus filhos no país de origem.
A prostituição é mais um exemplo das tenebrosas características do capitalismo: a desigualdade e a mercantilização, neste caso, do corpo da mulher – que pode ser comprado e usado.
A par com o debate na rua, a discussão política em torno da regulamentação da prostituição em Portugal assume outro tipo de problemáticas. A primeira centra-se, precisamente, na necessidade de construir uma alternativa a este sistema económico e às políticas que levam muitas mulheres a esta situação de violenta exploração, questão negligenciada por muitos dos apoiantes do modelo de regulamentação. A segunda, prende-se com o interesse na legalização da actividade dos proxenetas, disfarçado de apelo ao sentimento colectivo de justiça.
Estamos a enfrentar duas lutas distintas: i) a luta pela emancipação das mulheres e construção de uma sociedade com igualdade de oportunidades, e pelos direitos de quem trabalha e de uma justa distribuição da riqueza para que mais nenhuma mulher seja forçada a prostituir-se para sobreviver, e ii) a luta pelo enriquecimento e legalização de uma actividade que usa estas pessoas de uma forma violenta, vedando-lhes a escolha e a saída, sob o pretexto de as “proteger”, oferecendo-lhes um espaço seguro e limpo para serem exploradas pelos proxenetas disfarçados de “empresários”.
O negócio de seres humanos não pode ser legitimado. O tráfico de pessoas para fins sexuais e a prostituição de um modo geral atinge crianças e mulheres (sobretudo migrantes) a um nível desumano e indigno. A violência exercida sobre estas pessoas não vai acabar com a legislação da prostituição, antes, vai ser legitimada pela tão proclamada “liberdade sexual”.
Comissão Concelhia de Albergaria-a-Velha do PCP